
Setembro Amarelo: Reflexões sobre a prevenção do suicídio
O Setembro Amarelo é uma campanha brasileira que surgiu em 2015, idealizada pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) em parceria com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Seu principal objetivo é conscientizar a população, reduzindo estigmas e tabus relacionados à prevenção do suicídio. Segundo o CVV, abrir espaço para o diálogo sobre o tema já representa uma importante forma de ajuda para quem enfrenta sentimentos de sofrimento: “conversar pode salvar vidas”. O mês de setembro foi escolhido por abrigar o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, celebrado em 10 de setembro.
Em 2024, o Paraná registrou 531 casos de suicídio, número inferior ao de 2023, quando foram contabilizados 960. Já em âmbito nacional, o boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, em fevereiro deste ano, aponta que, em 2021, ocorreram 15.507 mortes por suicídio no Brasil. Desse total, 77,8% envolveram homens. Ainda de acordo com os dados, nesse mesmo ano, o suicídio ocupou a 27ª posição entre as principais causas de óbito no país, atingindo com maior intensidade adolescentes e jovens adultos. Visto isso, é de extrema importância que analisemos quais são os motivos desses números e o que de fato podemos fazer para reduzi-los.
Mitos e verdades sobre o suicídio
A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca a importância do manejo adequado das crises envolvendo pensamentos suicidas e esclarece mitos comuns. Um dos equívocos mais difundidos é a ideia de que falar sobre suicídio com a pessoa em sofrimento pode incentivá-la a agir dessa forma. Na verdade, abordar o tema de maneira aberta e empática é uma das estratégias mais eficazes de prevenção. Outro mito frequente é que o suicídio ocorre sempre de forma impulsiva e sem planejamento. Contudo, como afirma Cândido (2011, p. 137), “a morte por suicídio é quase sempre sentida como inesperada e imprevisível, apesar da existência de uma série de sinais potencialmente preditivos do risco”.
Reflexões críticas sobre a campanha Setembro Amarelo
Apesar da relevância da campanha, há críticas importantes que merecem ser consideradas. A psicóloga Flávia Albuquerque, conhecida como @despatologiza no Instagram, em parceria com a @mentaleria, problematiza a campanha e alerta para seus possíveis efeitos adversos. Citando uma pesquisa publicada na revista eletrônica Acervo Saúde (2020), Albuquerque aponta que o Setembro Amarelo tende a focar excessivamente nos transtornos mentais, como a depressão, como principal causa do suicídio. Essa abordagem pode desconsiderar fatores sociais, políticos, econômicos e contextuais que também influenciam o sofrimento humano.
Segundo a psicóloga e as profissionais Renata Cavalcante e Samita Vaz, criadoras do Mentaleria, a campanha, ao reduzir a prevenção ao âmbito dos transtornos mentais, pode contribuir para a exclusão das questões sociais das políticas públicas. Além disso, elas destacam que a concentração da prevenção em apenas um mês pode levar à negligência dos demais períodos do ano, quando o sofrimento persiste. Outro ponto crítico é a possível desconexão entre a campanha e os serviços públicos de saúde, o que pode favorecer interesses do setor privado em detrimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dados sobre a eficácia da campanha
Um estudo realizado por Daniel Lima e Carla Brandão, intitulado “Cinco anos de Campanha Setembro Amarelo: Estamos conseguindo prevenir suicídios?”, analisou a tendência de suicídios após a implementação da campanha. Os resultados indicaram que não houve alteração significativa na frequência geral de suicídios. Contudo, observou-se um aumento na taxa entre jovens de 15 a 29 anos e uma estabilização entre idosos de 60 a 79 anos. Os autores sugerem que a ampla divulgação do tema nas redes sociais, muitas vezes sem regulação adequada, pode ter influenciado esses resultados, hipótese que requer investigação futura.
O médico psiquiatra Hélio Antônio Rocha demonstra como abordar uma pessoa com pensamentos suicidas ou autolesivos: primeiro, é fundamental saber ouvir e acolher sem julgamentos, escutando em um espaço calmo e reservado, e aconselhar a pessoa a buscar acompanhamento profissional. Deve-se atentar que ter vontade de morrer não é o mesmo que querer se matar, e perguntar sobre o suicídio não significa que a pessoa irá realizá-lo de fato. É importante não deixar a pessoa sozinha e ficar atento aos sinais de alerta.
Outros tipos de prevenção
Além da campanha Setembro Amarelo, no Paraná as políticas públicas estão associadas à Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, que visa a organização de um sistema de notificação, um serviço telefônico gratuito para atendimento e a cobertura de saúde para esses casos.
A Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio foi instituída pela Lei nº 13.819, de 2019, com o objetivo de promover a saúde mental, prevenir a violência autoprovocada e garantir o acesso a serviços de saúde mental para todos. A política prevê a notificação compulsória de casos de automutilação, a criação de um sistema nacional de prevenção, a oferta de atendimento psicossocial gratuito e sigiloso, e a articulação intersetorial entre diferentes setores da sociedade.
Ademais, a Secretaria de Saúde do Paraná promove diretrizes e materiais técnicos, enquanto a rede de atenção psicossocial, incluindo os serviços da Prefeitura de Curitiba, oferece atendimento em centros de saúde e CAPS (Centro de Atenção Psicossocial).
Sinais de alerta
De acordo com o Ministério da Saúde, alguns comportamentos e sinais podem indicar que uma pessoa está em risco de suicídio. É importante lembrar que esses sinais devem ser observados em conjunto e não isoladamente, servindo como indicativos para uma atenção maior.
Mudanças no comportamento e na comunicação:
Alterações significativas no modo de agir, como aumento de irritabilidade, tristeza profunda ou manifestações verbais relacionadas à morte, que persistem por pelo menos duas semanas, merecem atenção especial. Essas expressões não devem ser encaradas como simples ameaças ou tentativas de manipulação, mas como pedidos de ajuda.
Falar sobre morte ou demonstrar desesperança:
Indivíduos em sofrimento podem expressar sentimentos de desesperança, culpa, baixa autoestima e uma visão negativa do futuro. Comentários frequentes sobre querer desaparecer, não querer mais viver ou desejar o fim da própria vida são sinais importantes.
Isolamento social:
O afastamento de familiares, amigos e atividades que antes eram prazerosas pode indicar que a pessoa está enfrentando dificuldades emocionais graves.
Outros fatores de vulnerabilidade:
Situações como perda de emprego, conflitos familiares, discriminação, doenças crônicas, entre outras, podem aumentar a vulnerabilidade ao suicídio, especialmente quando combinadas com os sinais acima.
Conclusão
A prevenção do suicídio é uma questão complexa que demanda atenção constante e ações integradas em diferentes níveis da sociedade. É fundamental que o tema seja tratado com seriedade, superando estigmas e preconceitos, para que pessoas em sofrimento possam encontrar acolhimento e suporte adequados. Identificar sinais de alerta, promover o diálogo aberto e garantir o acesso a serviços de saúde mental são passos essenciais para reduzir os índices de suicídio. Mais do que ações pontuais, é necessário um compromisso permanente com a valorização da vida e o enfrentamento das múltiplas causas que levam ao sofrimento extremo.
Recursos e contatos úteis
Para quem precisa de ajuda ou deseja apoiar alguém em sofrimento, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece atendimento gratuito e sigiloso 24 horas por dia, por telefone (188), chat e e-mail. É fundamental divulgar esses canais para ampliar o acesso ao suporte.